sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Joana Paraíso

Nas alturas

"A florzinha azul é na realidade vermelha" (Gaston Bachelard)




Projecção de vídeo, 12`, 2008


Crítica de Ana Raquel Dinger Moreira Duarte

Subimos. Subimos ruas, subimos degraus. Até que chegamos. “Nas alturas”. É o nome do trabalho que nos é apresentado na “Sala”, um recanto particular cujas portas nos são abertas, para espreitarmos um panorama de jovens criadores. O cariz intimista deste espaço de exibição é propício à experiência suscitada por esta projecção de vídeo, que aqui procurei descrever (não obstante consciente de que será sempre uma aproximação por defeito).
O fogo, como instrumento ou como referente, é uma presença com que nos deparamos amiúde no âmbito da criação artística, e é possível pensar em exemplos tão díspares como a pintura de um Turner preocupado com a captação de características atmosféricas, um Michael Haneke numa perturbadora (porque talvez clarividente) reflexão sobre a reacção humana perante uma situação limite em “Tempo do Lobo” ou, e amiúde, no trabalho de Bill Viola, de que “Ancient of days” e o mais recente “Ocean without a shore” são apenas dois exemplos. É, aliás, mais do que provável, a emergência da conexão com “Ancient of days”, dada a coincidência na utilização da reversão da destruição de objectos pelo fogo (no caso uma cadeira e uma mesa), apesar da divergência no recurso a montagem.
“All works of art, though visible, represent invisible things.”, citação do próprio Bill Viola, que a autora assume como uma das suas referências maiores, aqui a propósito. Referências que, metamorfoseadas pela alquimia dos processos internos, conscientes e inconscientes, conduzem à produção de um outro resultado, um diferente projecto artístico.
O espiritual implicado na imagética é um outro ponto comum que interessa aqui relevar. No caso presente, trata-se de todo um referencial cristão, de toda uma tradição católica. Valores enraizados na família ainda entendida como tipicamente portuguesa. E, consequentemente, intrincados na construção de uma personalidade moldada dentro desse caldo inicial. Embora a problemática da identidade, e ainda mais de uma identidade nacional, possa obstar esta generalização, neste caso, o percurso biográfico confirma-a. Tal como o trabalho artístico, que parece surgir como plataforma de expressão de uma inquietação face à religiosidade. Uma luta travada incessantemente, que atravessa diversas obras – “Criatura, ascensão e queda.”; “Omnipresente, omnisciente, omnipotente”, “Enclave”, etc. - e, julgo, paradigmaticamente, a própria escolha do pseudónimo: Joana Paraíso.
Este fogo que arde diante de nós, que nós acima de tudo vemos, é um fogo que eleva. Representação possível de Deus, não o é necessariamente, mas é um fogo positivo que, ao contrário do fogo do Inferno que destrói sem consumir, devolve a forma ao objecto, iluminando-o. Com a inversão, há um renascer das cinzas – a regeneração -, com a repetição, a hipotética instauração de um ritual de purificação.
Pode ser um exercício de expiação ou redenção ou sacrifício ou catarse ou sublimação. Ou outra coisa que escapa. Mas é mais do que um exercício de forma.
A casa que vemos reerguer não é uma casa, é a casa.
Entendida como imagem, por um lado, de um refúgio original e, por outro, da estrutura do ser interior, de contornos psicanalíticos ou não.
O percurso efectuado é o percurso do indício ao símbolo, sob o signo do fogo.
Assim termino.
Ana Raquel Dinger Moreira Duarte




Convite:






Convidamos-te a visitar a mostra que Joana Paraíso preparou para o Projecto "a sala", quinta-feira, dia 30 de Outubro, das 19h às 23h, na Travessa Convento da Encarnação, nº16, 3º Drt. Aparece!

www.joanaparaiso.blogspot.com

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